Transfiguração de Nosso Senhor (06 de Agosto)
Festa da Santa Transfiguração de Nosso Senhor, Deus e Salvador Jesus Cristo
Segunda Festa de Nosso Senhor em Agosto
''Para uma explicação da atual Festa e o entendimento de sua verdade, é necessário que nos voltemos para o início do Evangelho lido no dia de hoje: ''Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, e a Tiago, e a João, seu irmão, e os conduziu em particular a um alto monte'' [Mt. 17:1] Antes de tudo devemos perguntar a partir de que momento o Evangelista Mateus começa a contar os seis dias. Que tipo de dia era aquele? O indica o discurso precedente, em que o Salvador, ao ensinar Seus discípulos, disse-lhes: ''Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino'' [Mt 16:38]? Isto se refere à Luz da Sua própria Transfiguração vindoura que Ele chama de Glória de Seu Pai e de Seu Reino. O Evangelista Lucas aponta para o mesmo e o revela ainda mais claramente, dizendo: ''E aconteceu que, quase oito dias depois destas palavras, tomou consigo a Pedro, a João e a Tiago, e subiu ao monte parar orar. E, estando ele orando, transfigurou-se a aparência do seu rosto, e a sua roupa ficou branca e mui resplandecente'' [Lucas 9:28 e 29].
Mas como podem ser reconciliados os dois relatos, quando um afirma que o intervalo de tempo foi de oito dias entre os ensinamentos e a manifestação enquanto o outro afirma que foi de seis dias? Haviam oito sobre a montanha, embora só seis fossem visíveis. Três, Pedro, Tiago e João, subiram com Jesus, e viram Moisés e Elias que conversavam ali com Ele, de modo que todos juntos eram seis. Entretanto, o Pai e o Espírito Santo estavam invisivelmente com o Senhor: O Pai com Sua voz testificando que Ele era o Seu amado Filho, e o Espírito Santo brilhando com Ele na nuvem radiante. Assim, os seis eram na verdade oito, e não há nenhuma contradição quanto ao número. De modo similar, não há contradição entre os evangelistas quando um diz ''após seis dias'' e o outro diz ''oito dias após estas palavras''. Mas essas afirmações duplas nos apresentam um certo formato colocado em mistério, e junto com elas aquelas sobre os que verdadeiramente estavam presente sobre a Montanha. E todos os que estudam racionalmente as Escrituras sabem que os Evangelistas estão em concordância um com o outro. Lucas fala de oito dias sem contradizer Mateus, que declara ''após seis dias''. Não há outro dia acrescentado para representar aquele dia em que as palavras foram ditas, nem tampouco o dia em que o Senhor foi transfigurado é acrescentado [o que um pessoa racional poderia razoavelmente imaginar serem somados aos dias de Mateus]. O Evangelista Lucas não diz ''após oito dias'' (como o Evangelista Mateus diz ''depois de seis dias''), e sim ''e se passaram oito dias depois destas palavras''. Mas onde os Evangelistas parecem se contradizer, eles na verdade apontam para algo enorme e misterioso. Na verdade, o que faz um dizer ''depois de seis dias'' mas o outro, ao ignorar o sétimo dia, ter em mente o oitavo? Porque a grande visão da Luz da Transfiguração do Senhor é o mistério do Oitavo Dia, isto é, do século futuro, que se revela após o mundo criado em seis dias.
Sobre o poder do Espírito Santo, através de Quem o Reino de Deus é revelado, o Senhor previu: ''Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui estão, que não provarão a morte até que vejam vir o Filho do homem no seu reino''[Mt. 16:28]. Em todo lugar e de todos os modos o Rei se fará presente, e todo lugar será Seu Reino, já que o advento dele não significa que passe de um lugar para o outro, mas sim a revelação do poder do Espírito Divino. É por isto que se disse: ''virá em poder''. E este poder não se torna manifesto para pessoas simplesmente ordinárias, mas para aqueles que permanecem com o Senhor, ou seja, para aqueles que afirmaram sua fé Nele, como Pedro, Tiago e João, e especialmente para aqueles que estão livres de toda degradação da natureza. Portanto, e precisamente por causa disto, Deus Se manifesta sobre a montanha, por um lado descendo de Suas alturas e por outro lado elevando-nos das profundezas da corrupção, já que o Transcendente assumiu natureza mortal. Certamente, tal manifestação transcende em muito os limites alcançados pela mente, já que é efetivada pelo poder do Espírito Divino. Assim, a Luz da Transfiguração do Senhor não é algo que vem e depois se esvanece, nem está sujeita às faculdades sensoriais, embora tenha sido contemplada por olhos corporais por curto período no cume de uma montanha insignificante. Mas os iniciados no Mistério, (os discípulos) do Senhor, passaram naquele momento da simples carne para o espírito através de uma transformação de seus sentidos, efetivada no interior deles pelo Espírito Santo, e de tal modo que contemplaram a bem aventurança que o Espírito havia forjado neles para que vissem a Luz Inefável.
Aqueles que não atingiram este ponto conjecturaram que os escolhidos dentre os Apóstolos contemplaram a Luz da Transfiguração do Senhor por meio de alguma faculdade criada e sensual, e por meio disso tentam rebaixar ao nível da criatura, como algo criado, não apenas esta Luz, o Reino e a Glória de Deus, mas também o Poder do Espírito Santo, através de Quem os Divinos Mistérios se fazem revelados. Como toda probabilidade, tais pessoas não tiveram atenção às palavras do Apóstolo Paulo: ''Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu,e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam.
Mas Deus no-las revelou pelo seu Espírito; porque o Espírito penetra todas as coisas, e até mesmo as profundezas de Deus'' [1 Cor. 2:9 e 10]. Assim, com o alvorecer do Oitavo Dia, o Senhor, tomando Pedro, Tiago e João, foi à Montanha orar. Ele sempre orava só, se afastando de todos, até mesmo dos próprios Apóstolos, como por exemplo quando com cinco pães e dois peixes alimentou cinco mil homens, além de mulheres e crianças [Mt.14:19 a 23]. Ou [orava] levando consigo aqueles que excediam os demais, como quando ao aproximar-se de sua Paixão Salvadora disse aos outros discípulos: ''Sentem aqui enquanto vou orar'' [Mt26:36]. Então ele levou consigo Pedro, Tiago e João. Mas em nosso exemplo aqui e agora, o Senhor levou-os a uma alta montanha e se transfigurou diante deles, ou seja, diante de seus olhos.
O que significa dizer: ''Ele se transfigurou''?, pergunta o Teólogo Boca-de-Ouro [São João Crisóstomo]. Ele responde: ''Revelou algo de Sua Divindade para eles, na medida em que estavam preparados para apreendê-la, e mostrou-lhes o Deus que habitava dentro Dele''. O Evangelista Lucas diz: ''E, estando ele orando, transfigurou-se a aparência do seu rosto'' [Lucas 9:29]; e do Evangelista Mateus podemos ler: ''E Seu rosto brilhava como o sol'' [Mt.17:2]. Mas o Evangelista afirma isto não significando que esta Luz devia ser pensada como subsistente aos sentidos (deixemos de lado a cegueira da mente daqueles que não conseguem conceber nada maior daquilo que é conhecido por meio dos sentidos). Antes, é para mostrar que Cristo Deus é, para aqueles que vivem e contemplam pelo Espírito, como o sol para aqueles que vivem na carne e contemplam pelos sentidos. Desse modo, nenhuma outra Luz para conhecimento da Divindade é necessária para aqueles que foram enriquecidos com os dons divinos.
Aquela mesma Luz inescrutável brilhou e misteriosamente se manifestou aos mais importantes Apóstolos naquele momento, quando o Senhor orava. Isto demonstra que o que gera esta visão abençoada é a oração, e que aquela radiação ocorreu e se manifestou pela união da mente com Deus, e que isto é concedido a todos que, com constantes exercícios nos esforços da virtude e da oração, lutam para orientar suas mentes para Deus. A beleza verdadeira, essencialmente, só pode ser contemplada por uma mente purificada. Olhar para sua luminosidade é assumir algum tipo de participação nela, como se algum raio brilhante se gravasse sobre a face. Até mesmo a face de Moisés foi iluminada por sua proximidade de Deus. Vocês não sabem que Moisés foi transfigurado quando subiu a montanha e lá contemplou a Glória de Deus? Mas Moisés não realizou isso, mas antes passou por uma transfiguração. Entretanto, Nosso Senhor Jesus Cristo possuía Ele mesmo aquela Luz. A este respeito, de fato , Ele não precisava orar para que Sua carne irradiasse com a Luz Divina; mas o fez para revelar a maneira como a Luz desce sobre os santos de Deus e como contemplá-la. Pois está escrito que até os santos ''brilharão como o sol'' [Mt. 13:43], o que quer dizer que serão inteiramente permeados pela Luz Divina que viram em Cristo, divina e inexprimivelmente brilhando de Sua Irradiação, sendo emitida de Sua natureza divina. No Monte Tabor foi manifesta também em Sua carne por razão da união hipostática (isto é, a união das duas naturezas perfeitas, divina e humana, no interior da Pessoa [Hipóstase] divina de Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade). O Quarto Concílio Ecumênico, em Calcedônia, definiu esta união hipostática das duas naturezas de Cristo, a humana e a divina, como ''sem mistura, sem mudança, sem divisão e sem separação''. Cremos que na Transfiguração Ele manifestou não algum outro tipo de luz, mas somente aquela que se encontrava ocultada sob Seu exterior carnal. Esta Luz é a Luz da Natureza Divina, e como tal, é Incriada e Divina. Assim também, nos ensinamentos dos Santos Padres, Jesus Cristo se transfigurou no Monte Tabor não tomando sobre si algo novo nem sendo transformado em algo novo, nem por meio de algo que Ele não possuía. Antes, foi para mostrar a Seus discípulos o que Ele já era, abrir seus olhos e trazê-los da cegueira à visão. Pois você não percebe que os olhos que conseguem ver as coisas naturais seriam cegos para esta Luz? Assim, esta Luz não é uma luz dos sentidos, e aqueles que a estavam contemplando não o faziam com os olhos sensoriais, mas foram transformados pelo poder do Espírito Divino. Eles foram transformados, e somente desta maneira eles viram a transformação tomando lugar por meio da própria assunção de nossa perecibilidade, com a deificação através da união com o Verbo de Deus que tomou o lugar dela. Também desse modo aquela que concebeu e deu à luz miraculosamente reconheceu que Aquele que nascia dela era Deus encarnado. Assim foi também com Simeão, que somente pegou a criança em seus braços, e com a idosa Anna, saindo [do Templo de Jerusalém], já que o Poder Divino os iluminou, como através de uma vidraça, doando luz para aqueles que possuíam os olhos do coração puros.
E por que o Senhor, antes do início da Transfiguração, escolheu os mais importantes dos Apóstolos e os levou para a Montanha com Ele? Certamente era para lhes revelar algo grande e misterioso. O que há de particularmente grande e misterioso em lhes mostrar uma luz sensorial, que não apenas os mais avançados mas também os demais Apóstolos possuíam abundantemente? Por que eles iriam precisar de uma transformação dos olhos pelo poder do Espírito Santo para contemplar esta Luz, se ela fosse meramente criada e sensorial? Como a Glória e o Reino do Pai e o Espírito Santo poderiam se projetar em algum tipo de luz sensorial? De fato, em que tipo de Glória e Reino viria Cristo no fim dos tempos, quando não seria necessária nada no ar, nem em qualquer coisa similar, mas quando, nas palavras do Apóstolo, ''Deus será tudo em todos'' (1 Cor.15:28)? Assim, é óbvio que a Luz do Tabor era a Luz Divina. E o Evangelista João, inspirado pela Revelação Divina, afirma claramente que a cidade futura e perene ''não tem necessidade que o sol e a lua brilhem sobre ela. Pois a Glória de Deus a ilumina, e o Cordeio é sua lâmpada'' (Apocalipse 21:23). Não é claro que ele aponta aqui que este [Cordeiro] é Jesus, que é divinamente transfigurado sobre o Tabor, e que a carne Daquele que brilha é a lâmpada manifestando a Glória da Divindade para aqueles que ascenderam a montanha junto Dele? João o Teólogo diz também sobre os habitantes desta cidade: ''E ali não haverá mais noite, e não necessitarão de lâmpada nem de luz do sol, porque o Senhor Deus os ilumina; e reinarão para todo o sempre'' [Apocalipse 22:5-6]. Mas como, poderíamos perguntar, é esta luz na qual ''não há mudança, nem sombra nem alteração''? Que luz existe que é constante senão a Luz de Deus? Mais ainda, poderiam Moisés e Elias (e particularmente o primeiro, que claramente estava presente apenas em espírito e não na carne [Elias ascendeu corporalmente aos céus em uma carruagem de fogo]) brilharem com qualquer tipo de luz sensorial e serem vistos e reconhecidos? Especialmente dado o que deles está escrito: ''Os quais apareceram com glória, e falavam da sua morte, a qual havia de cumprir-se em Jerusalém'' [Lc 9:31]. E como poderiam os Apóstolos reconhecer aqueles que nunca tinham sequer visto, senão através do misterioso poder da Luz Divina, abrindo os olhos mentais deles?
Mas não percamos a atenção às interpretações mais profundas das palavras do Evangelho. Devemos crer então, da mesma forma que aqueles que nos ensinaram, que eram eles mesmos iluminados pelo próprio Senhor, e que somente eles conheciam tão bem: os Mistérios de Deus, nas palavras de um profeta, são conhecidos tão somente por Deus e em Sua proximidade perpétua. Deixe-nos, ao considerar os Mistérios da Transfiguração do Senhor de acordo com o ensinamento deles, lutar para que sejamos iluminados por esta Luz e encorajados a amar e lutar pela Glória e Beleza eternas, purificando nossos olhos espirituais dos pensamentos mundanos e nos abstendo dos prazeres passageiros e perecíveis que obscurecem o traje da alma e levam ao fogo da geena e da escuridão sem fim. Que fiquemos livres disto pela iluminação e conhecimento da Luz incorpórea e sempiterna de nosso Salvador transfigurado no Tabor, em Sua Glória, e de Seu Pai, por toda a eternidade, e de Seu Espírito Vivificante, que são Uma só Irradiação, Uma só Divindade, e Glória, e Reino e Poder agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.''
São Gregório Palamas
Tropario
Tu te transfiguraste na montanha, ó Cristo Deus,
revelando sua glória aos seus discípulos o quanto eles suportassem.
Que tua luz eterna também brilhe sobre nós, pecadores,
através das orações da Theotokos. Ó Doador da Luz, glória a ti!
Kondakion
Na montanha foste transfigurado, ó Cristo Deus,
E os teus discípulos contemplaram a Tua glória na medida em que poderiam vê-lo;
Para que quando eles te contemplassem crucificado,
Entendessem que teu sofrimento era voluntário,
E proclamassem ao mundo que Tu és verdadeiramente o esplendor do Pai!
NOTA: As traduções das orações e cânticos, neste blog, são para o uso meramente semântico.
NOTA: As traduções das orações e cânticos, neste blog, são para o uso meramente semântico.
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